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sexta-feira, 14 de março de 2014

Oficina de Teatro 2/2 - "Como Começar a Aplicar a Técnica na Prática" ou "Ensinando a Atuar"

Olá leitores...

Continuando a comentar sobre a oficina que ministrei no dia 1º de março...

Depois de conversar e explicar a teoria (leia antes de continuar a leitura deste post) aos dois alunos (e amigos meus, professores amadores de teatro), eu passei a parte em que eu aplico a teoria na prática - e aplico ainda 02 técnicas de "interpretação" (por assim dizer)

Pode vir a ser útil para professores/educadores teatrais que aqui vêm a procurar conteúdo para aplicarem. Tentarei ser o mais descritivo possível.

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Depois de terminar de explicar a teoria, passamos à parte prática. Disse a eles que a própria "aula" de teatro deve ser baseada em alguns pontos teóricos e que as vezes não é dada a devida atenção.

Primeiro, deve-se evitar de segmentar as aulas em: aula teórica, aula de expressão corporal, aula de voz, aula disso ou aula de ensaio, aula daquilo. Todo horário que tiverem juntos é interessante passar por cada passo, nem que seja alguns minutos. Ou seja: toda aula deve ter teoria aplicada com expressão corporal, vocal, improviso, ensaio e etc... Isso é previsto com a inserção do "treinamento" dentro da aula.

Treinamento eu já vinha comentado aqui no blog: treinar o corpo que é o instrumento de trabalho do ator. conhecer esse instrumento, afinar, para então ensaiar/criar algo para apresentar. O que eu comentei na oficina é: "mudar o paradigma de chegar na aula e começar a ensaiar com o corpo frio e sem energia. É preciso ter em mente em toda aula o princípio de 'treinar-ensaiar-apresentar', ao invés do 'decorar-ensaiar marcação-apresentar'."

O treinamento, em si, deve ser dividido em outras 3 partes: alongamento, aquecimento e fortalecimento.

Alongamento = uns 5-10 min bastam. Passar por todos os membros.
Aquecimento = uns 5-10min também valem. Essa parte é interessante abusar de caminhadas, corridas, e a questão de alterações de energia - movimentos ultrarrápidos a super-lentos. Pode brincar de poses e estátua também.
Fortalecimento = 10-20min. Aqui o intuito é compreender o corpo e suas possibilidades. Eu gosto particularmente de usar o jogo das articulações, mas cabe o que normalmente se usa em uma aula de expressão corporal. Fazê-los abusar dos níveis de alturas (baixo, médio, alto) até caírem num nível de energia bem alto - antes de começar a ensaiar-criar.

Essa parte de treinamento cabe nos primeiros 20-40min de aula (dependendo do horário que você tem). Fazendo isso toda aula, é o suficiente para manter a segunda parte da aula mais aproveitável.

Algumas dicas que passei na oficina, enquanto aplicava a parte de "treinamento" foi:

1) Concentração = esta é a peça fundamental para o ator e para possibilitar a criação. A concentração deve ser mantida desde o treinamento até aos ensaios. A desconcentração vai haver, sim vai, principalmente com adolescente e jovens que nunca fizeram teatro. A desconcentração se deve ao fato de o aluno-ator querer avaliar (tanto a si mesmo, quanto aos outros) sobre o que está acontecendo no momento. Essa avaliação do aluno-ator é normal, mas deve ser combatida para não virar vício e querer sempre se avaliar.. por isso nunca fazer um ensaio de frente para um espelho - pq inevitavelmente o espelho vai ser a forma que o aluno-ator vai se avaliar e desconcentrar-se.
Devo também informar que a concentração se dá a nível íntimo, médio e geral (com o todo). Se caso a desconcentração atingir toda a turma, peça que todos voltem a se concentrar a nível íntimo - dando atenção aos movimentos conscientes que estão executando e esquecer todo o resto.

2) A Verdade Cênica = aqui, já é um nível mais advanced para os alunos-atores, porém deve ser comentado aos poucos sim, pois este que faz a representação do ator ser genuína, autêntica.
A verdade cênica é acreditar no que se está fazendo, não "fingir estar fazendo". Ou seja, ao fazer uma ação, fazê-la verdadeiramente. Não é por ser "teatro" que se deve "fingir" no palco. Não! Desminta isso aos alunos-atores!!! Deve-se acreditar na sequencia de ações praticadas, pois assim obtêm-se uma atuação verdadeira, chegando até a verdade do corpo.
Ao conseguir fazer isso - crer na ação consciente (exterior) - esta ação externa (ação física) vai ajudar na motivação do sentimento (interior - emoção) e, consequentemente, o interior evoca o exterior, tornando um ciclo vicioso.

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A Segunda Parte da Prática na Oficina foi o "Ensaio", que normalmente é conduzido de forma mais intuitiva de acordo com as aulas, por assim dizer.

Para esta parte da oficina, eu dividi o Ensaio em função de uma Apresentação Final que eu tinha em mente. Mas isso não impede um "Ensaio" de ser do jeito que você quiser.

Para esta oficina, eu quis mostrar que pode-se fazer uma encenação de qualquer fonte - não só de um texto dramaturgico. Logo, eu peguei um texto do Twitter, na verdade um microconto, e dele eu abstraí para uma encenação.

Deste microconto, eu extraí algumas ações que o texto sugeria, para usar essas ações nas improvisações dos alunos-atores. É um jeito em que o aluno-ator pode criar sobre o texto também, mas com o seu corpo.

Esta parte de extrair as ações de uma peça, está de acordo com a técnica do Stanislavski e chama-se "análise ativa do texto" - é a parte em que o diretor da peça participa da criação da encenação (em termos gerais). (Contudo isso NÃO foi ensinado na oficina, pois nem eu mesmo sei fazer isso direito).

Juntamente com as ações do texto, eu incorporei um experimento de usar improvisações animalescas para criar a partitura corporal das personagens pelos alunos-atores. Ou seja, eu usei de improvisações com animais para que o animal desse a forma de representação do personagem do texto (que não era um animal).

Assim eu improvisei com eles sobre alguns animais distintos: peru, pinguim, esquilo, pavão, ganso, urso... E conforme eles iam improvisando, eu ia avaliando as formas e maneirismos e ajudando ao ator a encontrar a forma ideal para formar a personagem.

Definido as formações animalescas, eu parti a improvisar com os verbos de ação que eu extraí do microconto (isto tudo fiz sem eles saberem o porque estavam fazendo isso. De certa forma eles já estavam ensaiando para um texto, mesmo sem saber disso. A visão deles era apenas um exercício de improvisação qualquer, aleatório. Só que não.)

Com os verbos de ação, pedi que improvisassem, usando a forma animalescas que conseguiram trazer do outro jogo, em cima destes verbos. Então, no ensaio da oficina, acabou um improviso de "filhote de pinguim" improvisando sobre como poderia "proteger-se". O outro aluno trouxe um "Ganso-Velho" improvisando sobre "Expulsar Alguém". E vários outros verbos de ação.

Isso trouxe, sem eles criarem mentalmente, mas somente com o corpo, muita referência corporal para a cena. Eles criaram a partitura corporal da personagem sem mesmo conhecer o texto, ou qual o nome e características da personagem. Uma criação vinda da improvisação - e não da marcação de cena ou da decoreba de texto.  

Isso é um caso em que a técnica de improvisação é usada em prol da criação da peça. Não partindo do "decorar texto-ensaiar" mas ao contrário "ensaiar por improviso-conhecer texto" . Isso traz até mesmo facilidade posterior em se adequar ao texto, pois as ações extraídas do texto podem trazer noções de como memorizar o texto e ditá-lo de forma coerente com a atuação. Por exemplo: a improvisação pede "empurrar alguém" e o ator cria este empurrar de várias maneiras. Ao ensaiar com o texto, o texto pede a fala "Saia daqui" e o ato de empurrar pode ser apoiado nesta fala. Assim, dependendo do modo de empurrar, a fala não será dita ao acaso, mas com motivação da ação de empurrar. A ação física "empurrar" trará efeito de verdade cênica à fala da personagem de "Saia daqui" e o ator fará isso, e memorizará isso sem problemas. Até mais fácil, a meu ver.

Em seguida, continuando a parte "Ensaio" da oficina, apresentei o microconto aos alunos-atores e pedi que ensaiassem o texto.

Curiosamente, eles leram o texto e começaram a ensaiar usando a mentalidade de "decorar-ensaiar marcações-apresentar". Ou seja, apesar de tudo que tínhamos feito, eles começaram a ensaiar fazendo marcações e gestos cotidianos (clichês) - como se nada que houvéssemos feito até então fosse aproveitável.

É possível que aconteça o mesmo com seus alunos, pois todos nós tendemos a fazer o que nos é conhecido (ou fácil, ou do jeito que achamos ser o certo). Não desanimem, apenas os orientem para que sigam conforme o jeito que vinham fazendo.

Outra coisa que aconteceu, foi que eles, ao lerem o texto, começaram a dialogar sobre como deveriam fazer a cena - usando da imaginação para formular a cena. Isso isso também é INCORRETO se caso usarem da técnica de improviso. O ideal é que comecem a ensaiar sem "idealizar no campo das idéias", sem comunicar um quadro mental com o parceiro. Eles devem ensaiar improvisando a cena, deixando-a fluir conformem fazem. Isso, num primeiro momento é um pouco estranho e complicado para eles, mas invistam neste método de ensaiar e criar cenas, pois o resultado muitas vezes acaba sendo improvável e compensador.

Ao tentarem ensaiar como outrora, eu repreendi os alunos da oficina e pedi que ensaiassem usando as improvisações que tínhamos feito, todas elas. E que ensaiassem sem se comunicar entre eles, apenas seguindo a intenção da cena (que deve ser deixada óbvia para eles - neste caso o diretor/encenador deve explicar para os atores - ou se quiserem [para uma turma advanced] deixem que eles criem a intenção da cena, conforme interpretaram ao ler o texto) e usando das ações físicas que tínhamos improvisado.

Neste tipo de ensaio, já é elaborado o perfil da cena - e eles mesmos acabam criando sua sequencia de ações (e não o diretor apontando marcações). O diretor/encenador deve auxiliar aos atores verificando qual das improvisações de cena é interessante (conforme a linha de encenação que queira para o espetáculo). Não seja um diretor-tirano (típico do séc XIX) em que marca toda a misè-en-scene passo-a-passo para que o ator-marionete siga. Deixe o ator, neste ensaio, criar a cena e assim, ele mesmo estará dando sua forma de criação para o espetáculo.

Os ensaios seguintes acabam a ser ensaios de refinamento das cenas criadas, deixando uma atuação mais limpa e acrescentando acessórios cênicos [como cenário, som, figurino, maquiagem, etc ou nada] conforme seja coerente com o estilo e linha de espetáculo que o diretor/encenador da peça tem em mente.

Ao final da oficina, deixei-os fazer uma apresentação final da encenação conforme eu tinha planejado. Claramente que saiu diferente que eu tinha imaginado quando a imaginei - e isto é bom, pois tanto eu (como encenador) quanto eles (como atores) criamos juntos uma cena. Eu criei o formato de apresentação, guiando os atores conforme iam criando a cena que eu tinha formatado. Uma criação conjunta.

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Bom, embora este relato seja mais descritivo, espero que seja possível extrair dele conteúdo para que se aplique a qualquer tipo de processo teatral.

Não digo que estas técnicas apresentadas sejam as corretas - e que outros jeitos sejam errados. Não! No teatro a experimentação de técnicas, métodos, jeitinhos e afins é que faz o processo de criação seja agradável para todos os envolvidos. Contudo, estas técnicas que passei tem embasamento em vários pensadores do teatro contemporâneo e em práticas teatrais históricas, experimentadas por séculos. Não escrevi aqui neste post (nem ensinei na oficina) nada que não tenha um porquê ou que não tenha sido usada anteriormente. Apenas usei o atalho do conhecimento da história do teatro para não ficar tentando inventar a roda toda vez que pensar em ensinar teatro ou mesmo fazer uma peça. E, se me permitirem, aconselho a vocês - alunos, atores, professores e educadores - a usar também deste atalho.

Merda para todos.

Obs: Qualquer dúvida, mandem comentários ou email.









terça-feira, 11 de março de 2014

Oficina de Teatro 1/2 - "Como Ensinar Teoria de Teatro" ou "Quebrando Paradigmas"

Olá ilustríssimos leitores...

Venho, depois de muito tempo, a escrever outro post para o blog, dessa vez por 2 motivos:
1º - Há tempos que venho acompanhando as estatísticas e parece que recebo mta visita de professor/educador teatral (vide pesquisa ao lado) e
2º - Meu post mais visitado, com mais de 5 mil visualizações é sobre como começar a primeira aula.

Então vejo que este post pode ajudar quem quer começar de mesmo modo.

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No dia 1º de Março de 2014, ministrei uma oficina teatral à dois amigos meus, professores de teatro da minha cidade natal. Contudo (para vcs entenderem o contexto) eles não são profissionais, nem graduados, nem nada. Amadores de Teatro. Apenas amam teatro e dança e conseguiram um lugar para ensinar teatro para crianças e adolescentes.

O meu porém, desde que comecei a estudar teatro (se vc leram os posts, sabem que foi por volta de 2011) é que só apenas fazer sem conhecer pode ser frustrante. Caí no cliché de "decorar-ensaiar_marcações-apresentar" de que esses meus amigos vinham praticando com seus alunos - ou seja, não acrescentando nada em termos de qualidade teatral. Apenas um teatrão comercial, típico de meados do século XIX.

Foi então que, somado à minha vontade de esclarecer esse paradigma do amador (decorar-ensaiar-apresentar) e de levar conhecimento aos que precisam (seja por este blog, seja por oficina gratuita) decidi fazer uma oficina teórico-prática especialmente para eles - professores amadores de teatro.

E aqui vai meu relato e roteiro desta oficina, o que apliquei, como apliquei, o que expliquei, um passo-a-passo para dar um up numa aula de teatro - para adolescentes, jovens e adultos. (para cças tbm pode ser aplicado, mas acho que depois escrevo outro post)

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ROTEIRO DA MINHA OFICINA DE ENSINO TEATRAL PARA PROF. AMADORES

- O que se precisa para fazer teatro? Eis a pergunta carro-chefe para você, prof/educ refletir... É necessário lugar, texto, atores, cenário, música, luz, improvisos, público, figurino... ??? Mas o que é estritamente necessário para que "a mágica do teatro" aconteça??? Se refletirmos bem, ficamos com atores, público, lugar/espaço e texto. Certo? Errado?

Peter Brook comenta: a célula do fazer teatral tem 3 elementos fundamentais: o Ator, Público e Espaço.

Mas e o Texto???

A história do teatro, desde a antiga Grécia, traz dramaturgos como Eurípedes, Sófocles, Ésquilo e Aristófanes como principais autores de teatro. (e textos como Medéia, Édipo-Rei, Antígona, etc..)
Na Idade Média, temos o Gil Vicente com o Auto da Barca do Inferno e outros...
No Renascimento (Período Elisabetano) contamos com Shakespeare e sua dramaturgia universal.
Ainda contamos com Molière na França do século XVII até o século XIX
E no início do século XX tem Tchecóv e então, enfim, chega um dos primeiros teatrólogos que todos os amadores devem (ou deviam) conhecer: o russo Stanislávski.

Stanis (apelido carinhoso) foi um dos primeiros caras que refletiram sobre o fazer teatral. O "como" o ator consegue "encarnar" um personagem. E para tal, ele escreveu alguns livros sobre suas reflexões. Estes livros do Stanis existem em português, porém eles foram traduzidos do inglês americano (que este foi traduzido do russo original). O problema é que a versão americana sofreu algumas eliminações de textos do russo, e algumas outras coisas que não o fazem ser a leitura perfeita (quiser saber mais, clique neste link). Isso traz para o amador, que lê sem saber, e acha que o texto é perfeito, então acaba compreendendo algumas coisas erroneamente e reproduzindo o "sistema Stanislavski" de forma errada.

Digamos que, (vou esclarecer de modo mais leve e superficial, sem entrar em questões que graduações e cursos profissionais devem ou deveriam entrar), o Stanis achou, num primeiro momento (em seu primeiro livro) que o ator deve despertar o "personagem" a partir das suas "emoções" - ou seja, vem de dentro para fora, deixando a inspiração fluir e a interpretação realista aparecer. Isto é o que vc aprende do primeiro livro do Stanis - "a preparação do ator", lançado em russo aprox nos anos de 1926-38 (wikipedia).

CONTUDO (atente-se muito a este parágrafo de agora) o próprio Stanislavski EVOLUIU seu "sistema": "Não se pode confiar na 'emoção' ou 'inspiração' porque cai no clichê. É preciso confiar na evocação consciente (...)" EVOCAÇÃO CONSCIENTE. O que é consciente? Aquilo que se tem consciência, pleno funcionamento dos sentidos, aquilo que é feito com pleno conhecimento do próprio indivíduo (Dic. Aulete, 2014). Ou seja, o Stanis evoluiu seu sistema de algo que vinha de dentro (inspiração) para algo que vem de fora (consciencia de fazer). E a esta evocação consciente, ele chamou de ações físicas, pois tudo que fazemos conscientemente são resultados de um agir, de um movimento, da realização de uma atividade/postura/gesto.

Esta inversão do paradigma inicial de sua pesquisa só veio um bom tempo depois (dizem 30 anos depois) que os ensinamentos do primeiro livro já tinham se difundido pelos EUA e de lá para o mundo. Meio que por esta razão que muitos atores-estrelas creem serem dotados de um "dom mágico" do fazer teatral - pois acham que suas emoções lhes lançam uma bela interpretação realista.

Bom, isso tudo, aconteceu até meados do século XX. (se caso vc ainda faz isso, melhor vc pensar a respeito e se modernizar, e parar de tentar descobrir a roda, porque né... repetir os erros do passado é trash!)

Enquanto isso aconteceu lá pela Rússia (Stanis e as ações físicas para o ator interpretar um texto dramaturgico), na França acontecia uma outra coisa.. em partes semelhante.

Até início do século XX, na França o que reinava nos palcos italianos eram o showbusiness do teatro (sistema de estrelato como acontece nos filmes). Atores-estrelas que subiam no palco (para alavancar mais público e mais dinheiro) para recitar o texto de um dramaturgo conhecido (um texto/roteiro bom), enquanto era mostrado o figurino luxuoso, o cenário deslumbrante, a orquestra maravilhosa para um Rei, burguesia, apenas estarem lá presentes por status. Os demais atores eram manequins dos figurinos, pobres recitadores de texto, e dirigidos à mão de ferro por um sistema de marcação de palco - "ande até ali, gesticule e fale o texto".

Neste tempo, Jacques Copeau (1979-1949) foi um crítico teatral que percebeu que se continuasse assim, o teatro deixaria de ser teatro... Era muita filhadaputagem nesse sistema de estrelato que o ator não tinha vez no teatro. Assim, subiu nele uma vontade de re-educar o ator para que pudesse realmente fazer um teatro de qualidade.

Deste modo, ele criou a escola Théâtre du Vieux-Colombier em Paris, na qual estabeleceu 3 elementos para que o ator devesse estudar para melhorar sua capacidade interpretativa: o espaço, a improvisação da Commedia Dell'Arte e o Corpo Articulado (provindo dos teatros orientais - Japão, China, India).

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Fazendo uma breve interrupção para re-contar a história do teatro sem levar em conta o texto dramatúrgico.

O teatro tem seu início com o teatro primitivo, com os rituais, em que o homem não tinha um texto, mas um contexto a seguir, a vibrar sua energia.
Na própria grécia, além dos grandiosos dramas gregos, existiam os mímicos e as danças, que era divulgadas e apresentadas para o povo, na rua, para as pessoas comuns, para os marginalizados.
Na India, China e Japão, o teatro também passa pelo ritual, pela dança.
Na idade média, renascimento, o teatro de rua ganha os cômicos da Commedia Dell'Arte e o improviso corporal, trazendo técnicas de mímica, voz, acrobacias e bagagem cultural. Eram apresentados em feiras, ruas e praças. Era ditos improvisadores.
A Commedia Dell'Arte acaba sendo incorporada ao teatro de Molière, na França, até ser reencontrada pelos teatrólogos do século XX.
(A mínima que aqui cito é diferente da pantomima, que é a imitação clássica do Marcel Marceau - o mímico mudo que faz parede invisível).
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Assim, Jacques Copeau usava da improvisação (provinda dos comediantes dell'arte) para quebrar a dicotomia da criação teatral de autor/ator, trazendo uma nova posição ao ator - até então renegada - a de Ator-Criador

Artaud, outro um teatrólogo francês, também comenta sobre a criação no teatro. Escreveu que "não representamos sobre obras escritas, mas em torno de temas, fatos ou obras comuns, tentaremos uma encenação direta (...)".

E não foi só o teatro francês que foi contra à ditadura do texto no teatro.

Meyerhold, um aluno do Stanislavski, tbm pesquisou e refletiu sobre o trabalho do ator, de que este nascia do movimento... Teve como inspirações de seu trabalho a commedia dell'arte, a pantomima e o teatro chinês.

Grotowski - da Polônia - também busca entender o processo teatral que acontece entre ator e público - este processo na susa pureza, sem adereços cênicos...

Eugênio Barba (Italiano que foi pra Dinamarca) também estuda o treinamento para o ator. Conclama a Antropoliga Teatral - trazendo a idéia de um movimento extra-cotidiano para o ator. E a concepção de treinamento-ensaio-apresentação para o processo do fazer teatral.

A nossa famosa artista Denise Stoklos ratifica, em uma entrevista, que caso o trabalho do ator se inicie com um texto, ele começa pela metade, pois já existem os personagens, a história, os valores envolvidos. Que ela gosta mesmo é de ser a própria autora, de criar a personagem e trazer à tona a trajetória inteira.

Por fim, Luís Otávio Burnier - fundador do teatro LUME - comenta em seu livro que o ator:
- não faz teatro; Teatro é uma palavra que significa o Espaço de Contemplação. É a construção arquitetônica. O ator faz "arte de ator" - não "do ator" pois ele não é dono nem tem propriedade sobre esta arte.
- não interpreta; O ator se põe como intermediário entre a obra escrita e o público. O público interpreta os signos que o ator lança a ele. O ator representa algo ou alguma coisa que é transmitido ao público através de uma forma/simbolo/signo.

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E esta foi a parte teórica que eu passei na Oficina para prof/educ amador teatral.

É interessante que o prof/educ teatral conheça pelo menos o básico da história do teatro e que não queira reinventar a roda, mas que use deste conhecimento para transmitir uma base, mesmo que simples, para que os alunos não saiam achando que fazer teatro seja decorar-ensaiar-apresentar. Que é muito mais que isso.

Que o ator pode criar sobre o texto. Que ele pode improvisar (corporalmente) sobre as ações físicas de um texto. Que ele deve treinar seu corpo para que este seja a base da interpretação (e não as emoções-inspirações).

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E como isso pode ser levado à uma aula de teatro? Fácil. Converse com seus alunos, faça que uma de suas aulas seja um pouco mais teórica e passe um Bê-a-Ba da história do teatro, falando da grécia antiga, da commédia dell'arte, leve videos, leve filmes, fale do sistema de estrelismo que acontecia (e ainda acontece), e por favor, fale que ele não deve tentar usar as emoções para representar um papel, mas usar do corpo consciente (dos movimentos) para basear o seu papel.

E ah, também aproveite e tire da cabeça do aluno que fazer teatro vai levá-lo à ser um astro da novela das oito. Se ele quiser isso, que faça cursos destinados à interpretação para vídeos, cursos em SP e RJ. O teatro evoluiu e não quer ser uma próxima novela das oito, mas quer ser uma arte cultural única, viva, presente.

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Num próximo post, comento da parte prática desta oficina e exercícios que usei. E técnicas que vcs podem usar nas aulas. E o como utilizar improvisações corporais com os alunos.

Merda pra vcs.

Obs: Alguma dúvida, só escrever nos comentários...