Olá leitores...
Continuando a comentar sobre a oficina que ministrei no dia 1º de março...
Depois de conversar e
explicar a teoria (leia antes de continuar a leitura deste post) aos dois alunos (e amigos meus, professores amadores de teatro), eu passei a parte em que eu aplico a teoria na prática - e aplico ainda 02 técnicas de "interpretação" (por assim dizer)
Pode vir a ser útil para professores/educadores teatrais que aqui vêm a procurar conteúdo para aplicarem. Tentarei ser o mais descritivo possível.
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Depois de terminar de explicar a teoria, passamos à parte prática. Disse a eles que a própria "aula" de teatro deve ser baseada em alguns pontos teóricos e que as vezes não é dada a devida atenção.
Primeiro, deve-se evitar de segmentar as aulas em: aula teórica, aula de expressão corporal, aula de voz, aula disso ou aula de ensaio, aula daquilo. Todo horário que tiverem juntos é interessante passar por cada passo, nem que seja alguns minutos. Ou seja: toda aula deve ter teoria aplicada com expressão corporal, vocal, improviso, ensaio e etc... Isso é previsto com a inserção do "treinamento" dentro da aula.
Treinamento eu já vinha comentado aqui no blog: treinar o corpo que é o instrumento de trabalho do ator. conhecer esse instrumento, afinar, para então ensaiar/criar algo para apresentar. O que eu comentei na oficina é:
"mudar o paradigma de chegar na aula e começar a ensaiar com o corpo frio e sem energia. É preciso ter em mente em toda aula o princípio de 'treinar-ensaiar-apresentar', ao invés do 'decorar-ensaiar marcação-apresentar'."
O treinamento, em si, deve ser dividido em outras 3 partes: alongamento, aquecimento e fortalecimento.
Alongamento = uns 5-10 min bastam. Passar por todos os membros.
Aquecimento = uns 5-10min também valem. Essa parte é interessante abusar de caminhadas, corridas, e a questão de alterações de energia - movimentos ultrarrápidos a super-lentos. Pode brincar de poses e estátua também.
Fortalecimento = 10-20min. Aqui o intuito é compreender o corpo e suas possibilidades. Eu gosto particularmente de usar o jogo das articulações, mas cabe o que normalmente se usa em uma aula de expressão corporal. Fazê-los abusar dos níveis de alturas (baixo, médio, alto) até caírem num nível de energia bem alto - antes de começar a ensaiar-criar.
Essa parte de treinamento cabe nos primeiros 20-40min de aula (dependendo do horário que você tem). Fazendo isso toda aula, é o suficiente para manter a segunda parte da aula mais aproveitável.
Algumas dicas que passei na oficina, enquanto aplicava a parte de "treinamento" foi:
1) Concentração = esta é a peça fundamental para o ator e para possibilitar a criação. A concentração deve ser mantida desde o treinamento até aos ensaios. A desconcentração vai haver, sim vai, principalmente com adolescente e jovens que nunca fizeram teatro. A desconcentração se deve ao fato de o aluno-ator querer avaliar (tanto a si mesmo, quanto aos outros) sobre o que está acontecendo no momento. Essa avaliação do aluno-ator é normal, mas deve ser combatida para não virar vício e querer sempre se avaliar.. por isso nunca fazer um ensaio de frente para um espelho - pq inevitavelmente o espelho vai ser a forma que o aluno-ator vai se avaliar e desconcentrar-se.
Devo também informar que a concentração se dá a nível íntimo, médio e geral (com o todo). Se caso a desconcentração atingir toda a turma, peça que todos voltem a se concentrar a nível íntimo - dando atenção aos movimentos conscientes que estão executando e esquecer todo o resto.
2) A Verdade Cênica = aqui, já é um nível mais advanced para os alunos-atores, porém deve ser comentado aos poucos sim, pois este que faz a representação do ator ser genuína, autêntica.
A verdade cênica é acreditar no que se está fazendo, não "fingir estar fazendo". Ou seja, ao fazer uma ação, fazê-la verdadeiramente.
Não é por ser "teatro" que se deve "fingir" no palco. Não! Desminta isso aos alunos-atores!!! Deve-se acreditar na sequencia de ações praticadas, pois assim obtêm-se uma atuação verdadeira, chegando até a verdade do corpo.
Ao conseguir fazer isso - crer na ação consciente (exterior) - esta ação externa (ação física) vai ajudar na motivação do sentimento (interior - emoção) e, consequentemente, o interior evoca o exterior, tornando um ciclo vicioso.
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A Segunda Parte da Prática na Oficina foi o "Ensaio", que normalmente é conduzido de forma mais intuitiva de acordo com as aulas, por assim dizer.
Para esta parte da oficina, eu dividi o Ensaio em função de uma Apresentação Final que eu tinha em mente. Mas isso não impede um "Ensaio" de ser do jeito que você quiser.
Para esta oficina, eu quis mostrar que pode-se fazer uma encenação de qualquer fonte - não só de um texto dramaturgico. Logo, eu peguei um texto do Twitter, na verdade um microconto, e dele eu abstraí para uma encenação.
Deste microconto, eu extraí algumas ações que o texto sugeria, para usar essas ações nas improvisações dos alunos-atores. É um jeito em que o aluno-ator pode criar sobre o texto também, mas com o seu corpo.
Esta parte de extrair as ações de uma peça, está de acordo com a técnica do Stanislavski e chama-se "análise ativa do texto" - é a parte em que o diretor da peça participa da criação da encenação (em termos gerais). (Contudo isso NÃO foi ensinado na oficina, pois nem eu mesmo sei fazer isso direito).
Juntamente com as ações do texto, eu incorporei um experimento de usar improvisações animalescas para criar a partitura corporal das personagens pelos alunos-atores. Ou seja, eu usei de improvisações com animais para que o animal desse a forma de representação do personagem do texto (que não era um animal).
Assim eu improvisei com eles sobre alguns animais distintos: peru, pinguim, esquilo, pavão, ganso, urso... E conforme eles iam improvisando, eu ia avaliando as formas e maneirismos e ajudando ao ator a encontrar a forma ideal para formar a personagem.
Definido as formações animalescas, eu parti a improvisar com os verbos de ação que eu extraí do microconto (isto tudo fiz sem eles saberem o porque estavam fazendo isso. De certa forma eles já estavam ensaiando para um texto, mesmo sem saber disso. A visão deles era apenas um exercício de improvisação qualquer, aleatório. Só que não.)
Com os verbos de ação, pedi que improvisassem, usando a forma animalescas que conseguiram trazer do outro jogo, em cima destes verbos. Então, no ensaio da oficina, acabou um improviso de "filhote de pinguim" improvisando sobre como poderia "proteger-se". O outro aluno trouxe um "Ganso-Velho" improvisando sobre "Expulsar Alguém". E vários outros verbos de ação.
Isso trouxe, sem eles criarem mentalmente, mas somente com o corpo, muita referência corporal para a cena.
Eles criaram a partitura corporal da personagem sem mesmo conhecer o texto, ou qual o nome e características da personagem.
Uma criação vinda da improvisação - e não da marcação de cena ou da decoreba de texto.
Isso é um caso em que a técnica de improvisação é usada em prol da criação da peça.
Não partindo do "decorar texto-ensaiar" mas ao contrário "ensaiar por improviso-conhecer texto" . Isso traz até mesmo facilidade posterior em se adequar ao texto, pois as ações extraídas do texto podem trazer noções de como memorizar o texto e ditá-lo de forma coerente com a atuação. Por exemplo: a improvisação pede "empurrar alguém" e o ator cria este empurrar de várias maneiras. Ao ensaiar com o texto, o texto pede a fala "Saia daqui" e o ato de empurrar pode ser apoiado nesta fala. Assim, dependendo do modo de empurrar, a fala não será dita ao acaso, mas com motivação da ação de empurrar. A ação física "empurrar" trará efeito de verdade cênica à fala da personagem de "Saia daqui" e o ator fará isso, e memorizará isso sem problemas. Até mais fácil, a meu ver.
Em seguida, continuando a parte "Ensaio" da oficina, apresentei o microconto aos alunos-atores e pedi que ensaiassem o texto.
Curiosamente, eles leram o texto e começaram a ensaiar usando a mentalidade de "decorar-ensaiar marcações-apresentar". Ou seja, apesar de tudo que tínhamos feito, eles começaram a ensaiar fazendo marcações e gestos cotidianos (clichês) - como se nada que houvéssemos feito até então fosse aproveitável.
É possível que aconteça o mesmo com seus alunos, pois todos nós tendemos a fazer o que nos é conhecido (ou fácil, ou do jeito que achamos ser o certo). Não desanimem, apenas os orientem para que sigam conforme o jeito que vinham fazendo.
Outra coisa que aconteceu, foi que eles, ao lerem o texto, começaram a dialogar sobre como deveriam fazer a cena - usando da imaginação para formular a cena. Isso isso também é
INCORRETO se caso usarem da técnica de improviso. O ideal é que comecem a ensaiar sem "idealizar no campo das idéias", sem comunicar um quadro mental com o parceiro. Eles devem ensaiar improvisando a cena, deixando-a fluir conformem fazem. Isso, num primeiro momento é um pouco estranho e complicado para eles, mas
invistam neste método de ensaiar e criar cenas, pois o resultado muitas vezes acaba sendo improvável e compensador.
Ao tentarem ensaiar como outrora, eu repreendi os alunos da oficina e pedi que ensaiassem usando as improvisações que tínhamos feito, todas elas. E que ensaiassem sem se comunicar entre eles, apenas seguindo a intenção da cena (que deve ser deixada óbvia para eles - neste caso o diretor/encenador deve explicar para os atores - ou se quiserem [para uma turma advanced] deixem que eles criem a intenção da cena, conforme interpretaram ao ler o texto) e usando das ações físicas que tínhamos improvisado.
Neste tipo de ensaio, já é elaborado o perfil da cena - e eles mesmos acabam criando sua sequencia de ações (e não o diretor apontando marcações). O diretor/encenador deve auxiliar aos atores verificando qual das improvisações de cena é interessante (conforme a linha de encenação que queira para o espetáculo).
Não seja um diretor-tirano (típico do séc XIX) em que marca toda a misè-en-scene passo-a-passo para que o ator-marionete siga. Deixe o ator, neste ensaio, criar a cena e assim, ele mesmo estará dando sua forma de criação para o espetáculo.
Os ensaios seguintes acabam a ser ensaios de refinamento das cenas criadas, deixando uma atuação mais limpa e acrescentando acessórios cênicos [como cenário, som, figurino, maquiagem, etc ou nada] conforme seja coerente com o estilo e linha de espetáculo que o diretor/encenador da peça tem em mente.
Ao final da oficina, deixei-os fazer uma apresentação final da encenação conforme eu tinha planejado. Claramente que saiu diferente que eu tinha imaginado quando a imaginei - e isto é bom, pois tanto eu (como encenador) quanto eles (como atores) criamos juntos uma cena. Eu criei o formato de apresentação, guiando os atores conforme iam criando a cena que eu tinha formatado. Uma criação conjunta.
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Bom, embora este relato seja mais descritivo, espero que seja possível extrair dele conteúdo para que se aplique a qualquer tipo de processo teatral.
Não digo que estas técnicas apresentadas sejam as corretas - e que outros jeitos sejam errados. Não! No teatro a experimentação de técnicas, métodos, jeitinhos e afins é que faz o processo de criação seja agradável para todos os envolvidos.
Contudo, estas técnicas que passei tem embasamento em vários pensadores do teatro contemporâneo e em práticas teatrais históricas, experimentadas por séculos. Não escrevi aqui neste post (nem ensinei na oficina) nada que não tenha um porquê ou que não tenha sido usada anteriormente.
Apenas usei o atalho do conhecimento da história do teatro para não ficar tentando inventar a roda toda vez que pensar em ensinar teatro ou mesmo fazer uma peça. E, se me permitirem, aconselho a vocês - alunos, atores, professores e educadores - a usar também deste atalho.
Merda para todos.
Obs: Qualquer dúvida, mandem comentários ou email.